Cristiano Kruel, head de inovação da StartSe: “Professor do futuro não será mais o detentor da informação”

Em entrevista exclusiva, especialista afirma que Covid-19 fez em semanas mudanças que levariam anos. Setor da educação será um dos mais transformados

Publicado em 01/06/2020, às 12h00.
Cristiano Kruel, head de inovação da StartSe: “Professor do futuro não será mais o detentor da informação”
Crédito: StartSe

Ao longo das últimas duas décadas, o processo de transformação na área da educação vem acelerando. Cada vez mais o aprendizado, antes restrito à sala de aula, está concentrado no ambiente digital. Neste sentido, o papel do estudante é mais ativo - é ele quem define o quê, quando e por qual mídia quer aprender - e o do professor está próximo a de um tutor, que ajuda o aluno a trilhar seu próprio caminho.

Cristiano Kruel, head de inovação da StartSe, startup do setor de higher education, identifica-se com ambos os grupos. Professor e palestrante para milhares de brasileiros, o sócio da empresa se descreve como um eterno estudante. E, em sua leitura da atualidade, a transformação dos papéis dos dois lados do processo educativo são reflexo da inovação gerada por novas tecnologias e novos modelos de gestão em todas as áreas do mercado.

Em entrevista exclusiva à W/África, Kruel afirma que a pandemia do Covid-19 é a catálise da mudança comportamental necessária para a transformação da educação. Além disso, segundo o especialista, todos deveríamos estudar tecnologias como Inteligência Artificial ou Blockchain para aumentar nosso repertório. Veja, a seguir, a entrevista completa.

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W/África: Há um processo de digitalização da educação em curso nos últimos anos. Cada vez são mais comuns graduações à distância e cursos online para os mais diversos níveis e áreas de atuação. Na sua visão, a pandemia do Covid-19 surgiu como um acelerador deste processo?

Cristiano Kruel: A Pandemia de 2020 será estudada e terá consequências por muitos anos. É muito difícil – e não me atreveria – a tirar conclusões sobre os reais impactos dela. Mas, no momento ,o que consigo pensar é que existem dois sinais fortes: o risco da vida humana e os danos à economia. Mas existe um sinal fraco que acho muito poderoso: a transformação do comportamento humano.

Há muitos anos estudando e praticando a inovação, de startups a grandes empresas, eu aprendi que a maior barreira a uma novidade não é a tecnologia, o marketing ou o capital. A grande barreira sempre foi a mudança do comportamento das pessoas. A verdade é que as pessoas não gostam de mudar. Alguém pode provar para você que uma alternativa nova é melhor, mais barata, mais eficiente e eficaz e mesmo assim as pessoas relutam em mudar. O que a Covid-19 fez de mais forte talvez ainda não foi sentido na sua totalidade: ela deu um tranco no comportamento das pessoas.

Em diversos setores ou casos de uso, a Covid fez em semanas mudanças que levariam anos. E eu acredito que a Educação está na lista dos que mais vão sofrer mudanças.

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W/África: Que formatos educativos e tendências na área você acredita que serão mais fortes e presentes no mundo pós Covid-19? O formato tradicional das escolas e universidades vai se manter?

Cristiano Kruel: A educação tradicional já estava sendo fortemente questionada, em especial a educação adulta (higher education). Quem tiver interesse e oportunidade deve assistir ao documentário Ivory Tower (2014) para entender o tamanho do questionamento.

Acredito que as mudanças neste setor podem ser organizadas e analisadas da seguinte forma:

1- Metodologias e tecnologias: Há algum tempo vemos sugestões de novas metodologias (por exemplo,  métodos ativos, resolução de problemas complexos, Project-based learning, etc.) e tecnologias (por exemplo, Inteligência Artificial para ensino adaptativo; EAD para acesso a baixo custo; Realidade Virtual para imersão em contexto, etc.). Acho que continuaremos vendo novidades e coisas interessantes.

2- Conteúdos e formatos: Neste ponto penso no que as pessoas estudam, e aqui eu acho que teremos muitas novidades. Se você pensar em quais são os hard e soft skills mais desejados pelas empresas, vai perceber que teremos mudanças no conteúdo (o que as pessoas querem/precisam aprender). Quanto ao formato, eu vejo que as pessoas vão buscar cada vez mais cursos curtos, frequentes e dinâmicos ao invés de longos, esporádicos e estáticos. E aqui reside a crença da StartSe nos conceitos Lifelong Learning e Continuous Reskilling.

3- Modelos de negócio: Aqui também imagino que teremos novidades. O business model da escola vai ser atacado. E o ataque será nos clientes da instituição e não virá dos demais incumbentes. Quem está no “negócio de educação” deveria saber – assim como praticamente todas as indústrias hoje – que o maior problema não é o concorrente, mas o “cliente”.

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W/África: A tecnologia se desenvolve cada vez mais rápido, impulsionando novos modelos de gestão e criando novas dinâmicas no mercado. Por consequência, as habilidades necessárias aos profissionais estão em constante mudança. Como é (ou deveria ser) a educação para estes novos tempos? Como preparar profissionais para cargos que talvez ainda nem existam?

Cristiano Kruel: Acho que todos precisamos entender e aceitar que a incerteza é parte normal do processo. Isto não é frase pronta, é uma constatação. Quando temos mais gente, transações, possibilidades, informação, dados, startups... temos mais data points e portanto as combinações são exponencialmente maiores. Ou seja, quanto mais o mundo muda, mais potencial ele tem de mudar.

Os profissionais hoje terão que desenvolver planos de desenvolvimento muito mais dinâmicos e versáteis. Eu acredito na combinação de múltiplos skills, e num repertório amplo e dinâmico.

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W/África: O papel do professor mudou nas últimas décadas? E o do estudante?

Cristiano Kruel: Professor do futuro não será mais o detentor do conhecimento; mas ele nunca perderá seu valor se ele for um “polímata”, alguém genial que conecta os pontos não evidentes, que promove transformações, que é curador de temas incríveis e que desafia e mentora seus aprendizes. Ao final, todos deveríamos ser professores (e em vários aspectos se você é um gestor você já é, ou deveria ser). Eu fui “me tornando” professor pois eu tinha muita sede de aprender e descobri que a melhor forma de aprender algo é “tentando ensinar alguém”.

Talvez o maior meta-skill que um aluno (ou seja, todos nós) deveria desenvolver é o autodidatismo (ou, heutagogia). Nós cada vez mais seremos responsáveis pelo nosso próprio desenvolvimento. Geralmente somos levados pelos pais e depois pelas universidades corporativas a “investirem na nossa educação”. Mas acho que cada vez mais isto será responsabilidade real do indivíduo. Além de aulas de finanças pessoais, acho que veremos aulas de “aprendizagem pessoal”.

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W/África: Quais são as tecnologias que mais impactam a educação e como elas podem ser usadas?

Cristiano Kruel: As tecnologias de propósito geral (como Inteligência Artificial, Realidade Virtual, Blockchain, 5G, entre outras) são as melhores e que todos deveríamos estudar para aumentar o nosso repertório. É interessante estudarmos as tecnologias em si: eu faço isto a todo instante e acabo descobrindo através delas coisas muito interessantes e que não necessariamente são “tecnológicas”. Blockchain ensina sobre redes e redesenho de cadeias. IA ensina predição e novos formatos de criar valor. VR ensina sobre abdução e experiências humanas.

Uma divisão aqui pode ajudar a compreender o que vem sendo utilizado por startup: Tecnologias Maduras (withered) e Tecnologias Disruptivas (disruptive).

Tecnologias “Withered” já estão confirmadas, pervasivas, são conhecidas e fáceis de utilizar. O maior exemplo hoje é o smartphone. É preciso ter uma cabeça boa para você conseguir utilizar estas tecnologias de maneiras criativas e, para isso, é preciso “pensamento lateral”. Existem pessoas que são muito boas em utilizar estas tecnologias e criar negócios incríveis.

Tecnologias “Disruptive ”são aquelas realmente chocantes, incriveis, quase inacreditáveis. Em educação, eu vejo várias startups utilizando IA para vários cenários. Mas um caso extremo – talvez o mais extremo apenas para ilustrar este ponto – é a Neuralink. Investida pelo empreendedor Elon Musk, ela busca integração homem-máquina com um chip que permite “gravar” informações no cérebro. Numa entrevista recente, Musck chegou a dizer que, no futuro, quando o cliente quiser aprender algo mas não tiver tempo (por exemplo: pilotar um helicóptero), ele compraria o “código pronto”e faria um upload no seu cérebro. Pode ser uma viagem. Vamos rir! Mas também lembro que riram do Galileo Galilei…

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